Lupita Amorim, 26 anos, é natural de Várzea Grande, Mato Grosso. Cientista Social formada pela Universidade Federal de Mato Grosso (2023) e atua como Socióloga em uma Fundação do Terceiro Setor. É multiartista enquanto atriz, modelo, dançarina e poetisa e possui experiência como palestrante nas áreas de relações raciais, políticas de ações afirmativas, vivências LGBTI+, arte, cultura e juventude.
Escreveu em coautoria o livro de poesias “Anseios: uma coletânea de desejos que fingem ser poesias”(Paruna Editorial, 2023). Nestas áreas possui reconhecimento através das Moções de Aplausos já recebidas pela Câmara Municipal de Várzea Grande e Cuiabá e Assembleia Legislativa de Mato Grosso, além de já ter recebido premiações na área da produção de literatura e atuado em produções audiovisuais premiadas regional e nacionalmente.
A caminho
Nala acordava cedo, tomava um banho gelado para espantar o resto do sono. Não tomava café, pois sua mãe já começava o almoço e o ônibus não esperaria até que estivesse pronto. Não iria demorar, se maquiava, ajeitava o cabelo e vestia um look de arrasar. Mulher negra que nem ela não saia de casa sem ajeitar suas tranças que realçava a sua ancestralidade. O ônibus parou quando ela chegou no ponto, o motorista olhou, pensou e a cumprimentou, mas seu olhar não era de paz, ele questionava o que uma travesti preta num ônibus de manhã faz. Nala não se abalava com olhares, encarou uma cadeira vazia e se sentou, mirava a janela pensando: “será que conseguirei chegar à faculdade tranquila?”. Por fim, o ônibus parou, era seu desafio diário, enfrentar um terminal lotado de olhares raivosos e sedentos durante a sua viagem.
Era a faculdade seu destino e o julgamento sua dificuldade. Quando desceu do ônibus, recebeu logo um empurrão, caiu de joelhos se apoiando com as mãos no chão, não viu quem a empurrou, ou melhor, viu, eram várias mãos que rindo pra ela apontou. “Nunca vi mulher da vida de manhã”, eles falavam, “deve tá fazendo extra pra botar peito”, Nala não se abalou, se levantou, empinou o nariz e para o seu ponto em silêncio caminhou. Escondia o choro no seu olhar de raiva, queria poder devolver nas mesmas palavras quando era xingada. Nunca foi da vida, era tecelã do seu destino. Queria sim botar peito, mas não era por isso que saia cedo, só ela sabia como era a dor de ter a geladeira vazia. Iria estudar, para futuramente trabalhar e, em alguns anos, um ônibus não precisar pegar.
Caminhada
Quero ver o nascer do sol
fechar os olhos e sentir vida
pensar no amanhã sem medo da ida
caminhar em direção aos meus sonhos.
Nas manhãs de um novo dia
sentir a liberdade cantar como uma velha amiga.
Nas limitações dos medos,
avançar contra as interferências
que tentam me impedir de movimentar
acreditar nas novas possibilidades,
investir na boa sensação de caminhar.
Seguindo convicta de todas as minhas verdades
todos os dias tomar a decisão de sair
sentir o sol na pele
caminhar vendo o melhor à seguir
poder acreditar no dia melhor, mesmo se o sol partir.